Opinião sobre filme. Vale a pena?

Dirigido por Larry Clark, Kids retrata o cotidiano de adolescentes de baixa renda na cidade de NY. Provenientes de famílias que dão pouca atenção aos filhos, seja pela rotina do trabalho ou pelos problemas estruturais das relações no contexto familiar, os protagonistas do filme vão e vêm, tentando encontrar um objetivo na vida, durante esta fase complicada que é a adolescência.

Em um contexto em que os jovens são desesperançados, o filme apresenta uma lógica simples: se não existe a perspectiva de um futuro melhor, não é necessário pensar no futuro. Esse pensamento vem corroborado pelo uso constante que estes personagens fazem de drogas, bebidas alcoólicas e de sexo sem proteção ao longo do filme.

Ao longo do filme, cada personagem apresentará uma faceta diferente do comportamento violento e autodestrutivo e uma metáfora própria da sociedade enxergada pela juventude. Tally (personagem interpretado por Leo Fitzpatrick), por exemplo, tem obsessão por ter relações sexuais com virgens. Tirar a virgindade das meninas que conhece é seu meio de deixar sua marca, de não se sentir irrelevante no mundo.

Apesar da idade precoce (o filme trata de adolescentes de 15 e 16 anos), Tally já aparece desumanizado, tratando a sociedade como ela o trata. Esta sociedade é personificada em todos que o rodeiam, com exceção de Cassius, o único personagem com quem Tally parece ter uma genuína relação.

Este desprezo pelo mundo que o rodeia pode ser exemplificado pela cena em que ele convence uma garota a ter relações sexuais com ele prometendo carinho, compreensão e se colocando como alguém diferente para ela. Após obter êxito, Tally vai embora e cospe na mesa de jantar da casa – um ato simbólico de raiva e desprezo, mostrando que ele não se importa com ninguém.

O comportamento de Tally é extremamente contraditório, pois ao mesmo tempo que este procura deixar sua marca na vida das garotas que o cercam, após alcançar sucesso ele destrói a sua imagem, voltando a ser um ninguém, a ser como qualquer outro.

Já Cassius parece ter uma reação diferente diante dos conflitos impostos pela vida. Assim como Tally, Cassius é rejeitado pela sociedade e não tem perspectiva de emprego nem de renda. Porém, se Tally é o arquétipo do adolescente que procura deixar sua marca e expressar sua raiva batendo em tudo que ele possa encontrar, Cassius não parece ter este objetivo, formando um personagem contraditório e impulsivo, que simplesmente dá vazão às suas vontades, sem pensar nas conseqüências que estas possam trazer.

Quando Cassius aparece no filme roubando frutas e bebidas, ele não o faz como uma rebeldia contra o sistema, como podemos imaginar, mas sim pela vontade de satisfazer uma ambição pessoal. Ele, porém, diferentemente de Tally, consegue se identificar com outros, fato mostrado quando ele dá uma destas frutas a uma menina parada na porta da casa de Tally. Oura cena que reforça este caráter é aquela em que Cassius, no metrô, se compadece com um personagem sem pernas que pede dinheiro e dá suas últimas moedas ao mendigo, fortalecendo a imagem de bondade escondida atrás da estrutura agressiva apresentada.

Porém a partir daí, sua trajetória se deturpa, com a briga no parque em que ele e os outros personagens espancam um rapaz (numa clara cena de catarse das frustrações da geração representada), com suas demonstrações de preconceito contra homossexuais e com o estupro de Jenny (personagem que havia contraído HIV de Tally em sua primeira e única relação sexual) que estava inconsciente. Esta trajetória sem sentido, repleta de violência e horror é realçada no final do filme, quando Cassius olha para a tela fixamente, com um ar perdido, e pergunta o que havia acontecido, metaforizando sua trajetória conduzida pelos seus desejos repentinos e a procura da satisfação destes.

Se as personagens de Kids apresentam inúmeras diferenças entre si, há também os traços em comum. O principal fator que leva estes jovens a estarem juntos é a raiva que estes têm da sociedade e da ordem que ela representa. Isto é exemplificado diversas vezes ao longo do filme, mostrando os jovens fazendo pichações, urinando em público, falando palavrões etc. Podemos ver através destes personagens uma juventude sem perspectivas, carregada de ódio e frustrações, mas sem um plano consistente de combate ao que odeiam, resultando em pequenas ações de vandalismos e cenas em que esse ódio sofre uma catarse em algum elemento aleatório da sociedade.

Dentro do sistema capitalista em que vivem, no qual o que vale é a busca do prazer imediato, estes jovens sem posição definida ou perspectiva de futuro encontram nas drogas, no sexo sem compromisso e nas bebidas a solução temporária de seus problemas. O final do filme é emblemático, mostrando que todos os personagens carregarão para sempre as conseqüências daquilo que fizeram, e pior ainda, que sua geração será precedida de outra, composta por meninos ainda mais jovens e que trilham o mesmo caminho já visto. De maneira irônica, aqueles que pensavam não ter um futuro, conseguiram criar para si um futuro ainda mais sombrio, mais sem esperanças, mais sem perspectivas.